Sem choro, nem vela
Uma edição extraordinária só para escrever como fazia em blogs antigamente.
Tem mais de mês que não acendo a vela para os meus santos de Devoção, Antônio e Dulce. Não é por nada, eu só não tenho conseguido, literalmente, riscar o fósforo. Amiotrofia tem dessas coisas. Um dia a gente consegue fazer alguma coisa e em outra, não. Risco o fósforo, sobe o cheiro, até faísca, mas não pega. Cheguei até a pensar que estavam úmidos, é inverno, mas eu moro em Salvador e tem feito dias indecentemente bonitos para culpar a cidade da minha mera inaptidão.
Confesso que me incomodou nos primeiros dias, mas fui deixando de lado, no fundo da minha cabeça. É muito ruim ficar encarando as nossas impossibilidades assim. Eu bem que podia pedir ajuda, peço para tudo mesmo. Sou tão especialista nisso que ninguém se preocupa, sabem o quanto sou proativa em demandar. Mas é que rezar é um momento tão íntimo, tão nosso, diria até mais que o banho que tomo todos os dias com alguém. Julguei que meus santinhos fossem entender minha falta momentânea, até como umas férias para eles, eu vivo pedindo demais.
Mas minha amiga Nana falou de vela esses dias, num texto bonito danado que muito me encheu de orgulho, adoro minhas bichinhas botando para fora o tanto de beleza que guardam dentro de si. E foi então que invejei forte demais. Não ela acender as velas dela, avemaria, eu quero que o Céu a cubra de todas as bençãos. Doeu não poder eu mesma fazê-lo, com as minhas mãos, iluminar minhas velas sem pedir ajuda, sem pedir um pouquinho a mais do que já peço.
Veja, não é que alguém tenha reclamado, imagine. Até minhas cuidadoras que possuem crenças distintas das minhas acenderiam sem hesitar. Quem está reclamando sou eu mesma, sozinha. De não estar iluminando o caminho para que Santa Dulce e Santo Antônio ouçam mais de perto onde meu coração lacrimeja.
Creio eu que eles entendem a filha deles, afinal, e não vão se retar. Espero que derramem um tiquinho dessa compreensão também em mim, para que eu receba melhor minhas impossibilidades. Que eu não fique tão ranzinza e mesquinha, desejando que o vento apague as velas que tremulam nos altares dos outros, apenas por não poder eu mesma acender a minha.
É provável que se o bicho pegar mais do que já está pegando eu parta para o caminho que me é tão natural e conhecido de pedir que alguém faça por mim. Até lá, vou fechar meus olhos e desejar tão firme uma vela aqui dentro, que é capaz de iluminar e aquecer tanto quanto aquela que meus dedos não estão conseguindo incendiar.