Newsletter milamesmo 19ª Edição
Uma edição rapidinha com fotos, que muita gente gostou na anterior, para divulgar um evento muito bacana que eu vou participar, voltado para produtores e leitores de newsletters. Sim, a gente! Queria aproveitar para agradecer mais uma vez vocês que estão aqui comigo, tem sido ótimo. Espalhem por aí e espero ver vocês lá!
#descrição: Separador de texto com a ilustração de uma cadeira de rodas em traços simples ao centro, com uma fileira de bolinhas no lado direito e outra fileira de bolinhas no lado esquerdo.
O tempo tem sido como uma dessas areias tipo slime, que vive nas mãos das crianças de hoje. A velha metáfora da areia escorrendo pelos dedos parece que já não cabe. O tempo estica, aperta, escorre, é de cores vivas e brilhantes e quase sempre parece que falta. Já viu criança pedindo slime? Parece que nunca é suficiente.
O tempo escasso demanda que a gente vá deixando de lado aquilo que gosta, como se inspirar para escrever. Mas, esses meses, meus parentes que moram fora do país estão aqui, então, entre as obrigações, a gente encaixa sempre um programinha de turista. Num sábado, com muito planejamento e pedindo favor, fomos visitar Inema, uma praia fechada que fica dentro da Base Naval de Aratu.
#descrição: foto da praia de Inema. Estou na cadeira de rodas sentada no gramado perto da praia, junto a uma adolescente que está de costas. Há pessoas na praia, que tem areia branca e mar azul calmo. Há coqueiros mais próximos e ao fundo um monte com bastante vegetação. O céu está bem azul com poucas nuves no horizonte
#descrição: foto do gramado da praia de inema, com alguns coqueiros bem podados, ao fundo amendoeira, uma barraca feita com telhas e um banquinho, e alguns carros.
A “praia da base”, como a gente chama aqui em casa, foi a praia que eu mais frequentei na minha infância, por conta de uns conhecidos que conseguiam acesso. E sempre que eu volto lá, uma nostalgia diferente me rapta. Diferentemente de todos os outros lugares que costumamos ir, pouquíssima coisa mudou na Praia de Inema da minha infância para cá. Por ser uma área privativa da Marinha, as casas continuam iguais, a única barraca de praia é a mesma, o quiosque do acarajé, um banquinho com um telhado que sempre me pareceu reservado para um casal de namorados que nunca vi sentar ali. Até os coqueiros, que eu não contei, mas que pareciam posicionados nas mesmas fileiras, um ou outro abatido, mas com o toco lá para marcar que já estiveram de pé.
Voltar lá parece que é ver o tempo congelado, pensei nas coisas que separam a Mila que andava por aquelas bandas e a Mila de agora. As presenças que se mantém e as faltas que se formaram. Aproveitei o ambiente e fiquei tentando pensar como a Mila criança me desenharia em seu horizonte, quem eu sou hoje, do que gosto.
#descrição: foto antiga de quando eu era criança, no gramado da mesma praia de Inema, com coqueiros ao redor. No centro, estou eu com cerca de dois anos, em pé de biquini segurando um óculos escuros no rosto. Na minha esquerda está minha mãe, mulher branca de cabelos curtos que sorri para mim.
A primeira coisa que pensei foi sobre escrever. Gostava de ler, minha casa tinha muitos livros, mas não posso dizer que isso era um traço marcante da minha infância ou adolescência. Lembrei que uma vez, na quarta série, um texto meu foi escolhido para ir para uma coletânea de escolinhas do bairro. Na adolescência, muitas provas em dupla com uma amiga, que hoje é jornalista, me ensinaram sobre passar ideias pro papel.
Mais tarde, passei a escrever em blog, era moda e eu achei que dava conta de colocar umas coisas para fora. Na faculdade de Direito, aprendi que escrevendo se consegue convencer pessoas a muitas coisas, até um professor experiente que você estudou, sem ter estudado. Depois fui convidada para escrever pro Lugar de Mulher, uma página feminista, e isso me levou a ser vista em cantos que eu nem esperava. Sem contar as threads do twitter que já rodaram bastante, me levaram a escrever em páginas grandes, tipo o Intercept.
No entanto, quando chegou o email de Vanessa Guedes, uma das organizadoras do evento “O Texto e o Tempo” para leitores e produtores de newsletter, me convidando para compor uma mesa, eu achei que fosse engano. Um evento lindo, que vocês podem conferir nesse link os detalhes, (tem vagas sociais!) que conta com muitas pessoas que admiro nessa bolha. Achei que eu, de alguma forma, não merecia estar ali entre os peixes grandes.
Fui cutucar para saber quem havia me indicado, foi justamente alguém que sigo de perto, Carla Soares, que escreve o Outra Cozinha. Agradeci imensamente ela ter lembrado de mim e contei da minha surpresa. Ela riu e disse: “Mila, você escreve na internet há mais tempo que eu!”. Quase não acreditei, o texto de Carla sempre me parece tão maduro, enquanto eu ainda considero o meu inacabado.
O tempo que, como eu disse lá em cima, estica e escorre pelos dedos, às vezes faz parecer que não passou, enquanto passa. Quando comecei a escrever, não pensava no futuro, não entrava nos meus planos. A intenção era documentar o momento, me fazer ouvida. Especialmente em relação à deficiência. O tempo não parecia ser o motivador, mas hoje eu sei que sempre foi ele.
Não é a toa que é o tema central do evento sobre newsletter. Primeiro, porque a vida que levamos hoje nos deixa desconfortáveis com o manejo do tempo. Enquanto procuramos ter mais minutos disponíveis à mão, estamos sempre ocupando-os. Não há período de tédio, de pausa. O que me leva ao segundo ponto: a falta de jeito em lidar atualmente com o tempo faz com que a gente se perca de quem somos, pela dificuldade de respirar para aprofundar. Enquanto, para mim, a escrita vem como um antídoto a isso. Quem lê e quem escreve, vai encontrando uns aos outros e se demarcando: “esses somos nós”.
Como a praia que esteve lá intocada todos esses anos, a escrita nos conecta a quem a gente não vê sempre, na correria do dia a dia, dentro de nós. Assim como os ipês roxos passam despercebidos quando não estão floridos, eu me transformo despercebidamente no decorrer do tempo. É na escrita que me sinto florescer em algo que é só meu, ao justamente me mostrar aos outros, como as flores roxas que destacam o ipê dentre todas as outras árvores.
Por isso convido quem gosta do tema a dar uma chegadinha lá no evento, conhecer a gente, também se inspirar a escrever a sua própria news. Assim vamos encontrando uns aos outros pelo caminho até algum lugar que é nosso e que não visitamos há um bom tempo.
#descrição: card do evento onde há quadro quadrados. o primeiro, em roxo com letras amarelas diz "O TEXTO E O TEMPO: Um final de semana sobre newsletters". O segundo, em amarelo: dias 5 e 6 nov/2022 sab e dom 10-18 horas ONLINE. O terceiro: GARANTA JÁ SEU INGRESSO. Mais informações em https://bit.ly/evento-newsletter. Por último, um quadrado com o símbolo do evento, uma ferramenta alada.